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Do ponto de vista dos Neurônios

Atualizado: 5 de mai.


Imagem de neuônio com os dendritos e o axônio.

«Enquanto não compreendermos como funciona nosso cérebro e como o utilizamos, haverá pouca chance que algo mude ».

Henri Laborit, in Mon Oncle d’Amérique, 1980.

 

Nós somos, fundamentalmente, ricos de um potencial infinito que ignoramos com frequência. Esse potencial está encerrado em nós, fazendo parte integrante do nosso ser. Alguns ignoram, outros acham que é um assunto para os especialistas, outros ainda, acham que é um assunto irrelevante diante de problemas prioritários da subsistência.


A história que desejamos contar aqui é a história dessa joia rara e de sua família maravilhosa que elegeram moradia dentro de nós. Esse “personagem” é nosso cérebro, com sua imensa família, fruto da evolução e constituída de bilhões e bilhões de células.


Essa imensa família vive dentro do nosso crânio, um espaço que visto com nossos olhos de humanos parece muito pequeno, uma “casa” onde não existe compartimentação, nem hierarquia entre os diferentes elementos que compartilham esse espaço, “tudo é distribuído, como dizia um famoso biólogo, apesar de usarmos termos como: estruturas, funções, regiões, áreas etc.


O grande lance dessa “família” é que ela é o próprio exemplo do trabalhador infatigável que trabalha dia e noite. Um trabalho gigantesco para fazer a gestão do infinitamente grande, do infinitamente pequeno e do infinitamente complexo, dentro e fora de nós. Como ela faz a gestão de TUDO isso? Esse fenômeno continua sendo um mistério, apesar das inúmeras pesquisas e tecnologias. O mais incrível é que esse mistério faz parte da nossa história, é parte integrante do nosso ser. Essa grande família que percebe, pensa, age, é ela quem dá sentido para nossa existência, fazendo a gestão de tudo e de si mesma.

 

Se ela constitui um grande desafio, precisamos, porém, pelo menos tentar desvendar um pouquinho desse mistério, levantar uma pontinha do véu que o cobre. É o que desejamos fazer aqui, compartilhando com todos que se interessam por esse assunto.

 

O que precisamos saber antes de tudo é que o cérebro é um sistema de conexão, de informação e de comunicação. Conectar, informar, comunicar fazem parte dos verbos-chave do nosso cérebro.

 

O cérebro conecta tudo que o percebemos, ouvimos, tocamos, vemos, sentimos...  

 

Ele informa, ou seja, ele dá forma ao que ele conecta ou conectou. É importante saber que a informação não é uma entidade em si. Talvez os “dados” existam, mas, a “informação” nãos existe por si mesma. A “informação” é uma interação.

 

O cérebro comunica, não no sentido de transferir a informação de um emissor para um receptor, mas no sentido de construir juntos, reconhecendo-nos em devir. “Comunicar” é também uma interação, uma modelagem recíproca, uma realização social por ato de linguagem, olhar ou gesto... que constrói um espaço-tempo compartilhado[1].

 

Porém, o verbo fundamental do nosso cérebro é o verbo APRENDER, ele é a pedra angular que sustenta todos os outros verbos. Segundo Hélène Trocmé-Fabre[2], “Nós nascemos para aprender e aprendemos durante toda a nossa Vida”, regulando-nos, na nossa relação com o meio que nos cerca (nosso meio ambiente), adaptando-nos, na nossa relação com os Outros e evoluindo, na nossa relação com nós mesmos. Os pesquisadores que estudam o cérebro dizem que ele é, provavelmente, uma das mais belas invenções da evolução.

 

Como essa família é grande, vamos iniciar nossa viagem no âmago do nosso ser, começando nossa abordagem pelos Neurônios, elementos envolvidos na informação e na comunicação.

 

O relato será feito do ponto de vista deles. Por que essa escolha? Essa escolha foi feita como uma maneira de nos aproximar de nós mesmos. Criar uma intimidade com tudo isso que existe dentro de nós. Muitas pessoas ainda ficam receosas em abordar esses tipos de assunto porque acham que é assunto para cientistas, para especialistas. Os cientistas, os especialistas são pesquisadores que nos ajudam a compreender o que temos dificuldades de compreender, mas devemos sempre lembrar que a história é nossa. Somos nós que construímos nossa Autonomia, porque ninguém pode respirar em nosso lugar.

 

Antes de começar, precisamos falar sobre a armadilha criada, muitas vezes, pelo nosso individualismo. Estamos habituados a falar de um elemento como se ele atuasse sozinho, como se ele fosse uma unidade, privilegiamos, então, o singular. Por exemplo, dizemos o neurônio é uma unidade de base do nosso cérebro, mas ele sozinho fica  “sem chão”. Ele precisa de companhia de outros da sua mesma categoria ou de categoria diferente. Atualmente assistimos à emergência de conceitos plurais, como: níveis de realidade, lógicas, inteligências, memórias, linguagens, motivações, realidades, soluções, aprendizagens. Isso mostra que a ideia de “individualidade” é uma ilusão. Nós somos seres plurais.

 

Aqui falaremos então, de neurônios, para desencadear o processo plural, inclusive, os neurônios muitas vezes vivem em assembleias. Essas células, são como as bananeiras, os babaçuais, elas gostam de companhia, aliás, como a maioria dos humanos e outros viventes.

 

Do ponto de vista dos Neurônios... (aqui vamos contar nossa história)


Nós somos os Neurônios. Nosso nome foi criado, no final do século XIX, pelo anatomista alemão Heinrich Waldeyer. Nossa história está ligada à informação e à comunicação. 


Alguns nos consideram como unidades fundamentais, morfológica, estrutural e funcional do sistema nervoso. A etimologia do nosso nome vem do grego significando, para alguns, nervo, fibra, tendão, para outros, corda de arco ou de instrumento musical. Essa história de “corda de arco ou de instrumento musical” parece tirada pelos cabelos, mas gostamos de saber que nossa história está ligada à música. Tudo é música e todos nós fazemos parte da partitura universal! “Na origem, encontrava-se o reino absoluto da flama, depois, quando o fogo se acalmou, diminuindo lentamente, a flama cedeu o lugar para a música”[3]. 


A história das Neurociências está ligada à nossa história. Essa história se impôs nos anos 50 com a neurobiologia que orientou as pesquisas para o nível celular.


A nossa vida cerebral é de dupla natureza: elétrica e química, consequentemente, nossos meios de comunicação são também dessa natureza. “Para que haja vida é necessário organização e para que haja organização é preciso que haja comunicação, ou seja, troca de informações entre nós, células, e dentro de nós, entre os elementos que nos compõem.


Como em todos os seres organizados existem dois modos de comunicação: o nervoso e o hormonal"[4]. Pois é, nós somos células nervosas, ao que parece, especializadas em transmitir impulsos eletroquímicos para o corpo inteiro.

 

Falando sobre o nosso trajeto: Quando nos movemos de cima para baixo, nessa direção, acrescentamos um adjetivo ao nosso nome. Somos chamados de “neurônios eferentes”. Explicando melhor, saímos do encéfalo (parte superior do sistema nervoso central, responsável pelo controle do organismo e formado pelo cérebro, cerebelo e tronco cerebral) e vamos até a periferia. Daí voltamos, ou seja, de baixo para cima mudamos  de nome e passamos a nos chamar  “neurônios aferentes” e subimos, levando informações sensoriais para os nossos amigos do sistema nervoso central (SNC).

 

A maneira como funcionamos e interagimos com os nossos companheiros decide dos comportamentos e das percepções. Nós constituímos a parte biológica de psicologia humana. Estamos na base de todas as sensações, de todos os movimentos, de todos os pensamentos e de todas as emoções. Estes são o resultado da comunicação que fazemos entre nós.

 

Todos nós temos a mesma informação genética, como o restante das células do corpo. Possuímos também os mesmos elementos de base em nossa estrutura (membrana, núcleo, organelas etc.)

 

O que nos torna tão especiais (vaidade obriga) em comparação com as outras células é o lugar que ocupamos nas redes neurais. É isso que nos permite realizar processos básicos como a recepção, o processamento e transmissão de informações. 

 

As partes que nos compõem

 

Como todas as células do organismo vivente, nós possuímos uma membrana, cercando nossos citoplasma, e possuímos um núcleo (o corpo celular) onde se encontram os genes.

 

Nossa estrutura normal é composta por três partes básicas: o soma, os dendritos e o axônio. Essa composição nos permite desempenhar funções de conectores e gerenciadores de informações.  

 

Nosso soma é também conhecido como pericárion, se você encontrar esse termo por aí, não se assuste, são coisas de cientistas, querendo se distanciar do comum dos mortais. O soma abriga o núcleo, bem como outras microestruturas. É nele que ocorre toda atividade metabólica. A síntese de proteínas e a produção de energia é feita aqui.


Fazendo parte também do nosso corpo temos umas ramificações fluorescentes conhecidas como dendritos (do grego dendron = árvore) que se dividem como ramos de uma árvore, captam a informação e a encaminham para o nosso corpo celular. É principalmente aqui que as informações são recebidas. É através dessas “árvores” dendríticas que nos conectamos aos axônios de outros neurônios para que possamos nos comunicar com outros parceiros.

 

Outro elemento na nossa composição: o axônio, em geral, bem comprido e único. Ele encaminha a informação que está no nosso núcleo para outros neurônios com os quais nós fazemos conexões. Os axônios também podem estimular outros tipos de células, como as dos músculos e das glândulas, mas isso é outro assunto.

 

Nós nos organizamos, constituindo uma fantástica rede. Nós recebemos e transmitimos sinais de natureza eletroquímica. Os dendritos e os axônios asseguram a transmissão desses sinais. Os dendritos recebem os sinais e os axônios os transmitem.

 

Tentando esclarecer como funcionamos: Nós recebemos as informações sob forma elétrica, nessa arborescência, nossos queridos dendritos, indo até o nosso âmago/núcleo, onde elas são processadas. Desencadeamos então um novo sinal elétrico que vai se propagar ao longo do filamento, nosso querido axônio. No final desse filamento, encontra-se um fabuloso espaço orgânico, espaço microscópico de comunicação chamado de sinapse através do qual vamos poder nos comunicar com outros milhões de neurônios[5].

 

Nós fazemos bilhões e bilhões de conexões, comparáveis à quantidade infinita de grãos de areia, seria melhor ou mais poético dizer, comparáveis às estrelas. Trabalhamos dia e noite. Pausa? Sim. É fundamentalmente essencial! Essas pausas se chamam “pausas estruturantes” (elas serão explicadas em outro capítulo dessa história!)

 

Sem querermos ser arrogantes, nós somos figuras imprescindíveis na história do cérebro por causa de nossa importante interconectividade e da nossa especialização em termos de comunicação.

 

Nós podemos fazer mais de mil conexões com outros neurônios e como somos mais de cem bilhões, isso significa que podemos fazer aproximadamente 1.000.000.000.000.000 conexões. Cada milímetro cúbico de córtex contém meio bilhão![6]   

 

Somente conhecendo melhor os nossos recursos, seremos capazes de administrá-los e desenvolvê-los. Esse é o caminho e a voz da autonomia, o caminho e a voz da compreensão de nós mesmos e dos Outros!


[1] Hélène Trocmé-Fabre, 2002.

[2] Trocmé-Fabre, A Linguagem do Vivente, 2013

[3] Hubert Reeves, 1988.

[4] Jean Didier Vincent (neurobiólogo francês), 1986.

[5] E. Gaspar, Le cerveau et ses astuces… Réussir c’est facile ! Belin, 2015.

 

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